Itapemirim em recuperação judicial: Uma ida que pode ser sem volta

Fonte: Portal Ônibus Paraibanos com informações de Exame e Século Diário Fotos: Rodrigo Gomes Recentemente, a Viação Itapemirim pediu recuperação […]

Fonte: Portal Ônibus Paraibanos com informações de Exame e Século Diário
Fotos: Rodrigo Gomes

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Recentemente, a Viação Itapemirim pediu recuperação judicial capixaba. O pedido foi aceito mas a empresa pode não voltar… Entenda o processo.

A lei de recuperação judicial foi editada há 11 anos para criar um processo organizado que preserve as empresas em crise e permita a seus controladores renegociar dívidas sem risco de entrar em falência.

Cabe a um juiz supostamente especializado liderar o processo: os empresários, normalmente, são afastados da gestão, um novo administrador é definido pela Justiça, as decisões têm de ser aprovadas pela maioria dos credores e os ativos e as garantias dados pela empresa ficam resguardados.

A promessa é de racionalidade. Na teoria, é ótimo. Mas um olhar mais aprofundado sobre a “recuperação judicial como ela é” mostra uma realidade bem distinta. Os casos de sucesso são pouquíssimos — esti­ma-se que apenas uma em cada 100 empresas saia viva e saudável de uma recuperação judicial. E as histórias de brigas, rolos e fraudes são muito mais comuns do que se suspeita.

É no mínimo inusitado que, com um Poder Judiciário tão caótico quanto o brasileiro, investidores e empresários tivessem alguma esperança de que um processo complexo como uma recuperação judicial fosse ordeiro. Os buracos na lei e as chicanas jurídicas disponíveis são fartos. A lei diz que o processo deve demorar dois anos e que apenas um plano pode ser aprovado.

A empresa de energia Infinity Bio-Energy, que fatura 600 milhões e deve 1,5 bilhão de reais, está tentando emplacar o terceiro plano de recuperação desde 2009. Um dos credores questionou a decisão do administrador judicial de arrendar uma das usinas a um foragido da Justiça por assassinato (e que, portanto, não deve aparecer para pagar as contas), mas o juiz não viu problema.

A geradora de energia Tonon, que deve quase 3 bilhões de reais, conseguiu autorização judicial para usar garantias que estavam protegidas em depósito. A empresa alegou ser um bem perecível, por se tratar de cana. Os credores pediram uma liminar para bloquear os gastos.

A soberania das decisões dos credores em assembleia também vem sendo questionada por alguns empresários e administradores, criando mais insegurança no processo. Na recuperação judicial do grupo de construção Schahin, a maioria dos bancos e investidores votou contra o plano e a favor da falência.

Mas os acionistas estão recorrendo ao juiz para invalidar os votos dos credores, já que há casos precedentes. Outras canetadas dos juízes não fazem nenhum sentido econômico, mas dificultam o andamento do processo: a recuperação da mineradora Mineração Caraíba corre sob sigilo, e os credores precisam ir a Jaguarari, no interior da Bahia, para tirar cópias do processo e acompanhar as decisões.

De acordo com credores ouvidos por EXAME, os casos mais complexos são aqueles em que é quase impossível dizer onde está o dinheiro da empresa ou de seus donos. Antônio Carlos Gonçalves, dono da produtora e comercializadora de soja e milho Ceagro Agrícola, que fatura 800 milhões de reais, levantou 1,5 bilhão com grandes bancos.

A garantia era uma série de contratos de venda de soja — os investidores ficavam com os pagamentos da venda em garantia e, em caso de inadimplência ou rompimento dos contratos, ficavam com a soja. Parecia uma garantia reforçada.

Mas não existia tanta soja assim — em julho de 2015, os compradores não receberam as encomendas e, claro, não pagaram as faturas. Os credores alegam, desde então, que a soma de ativos da Ceagro é menor do que os financiamentos que a empresa tomou, e os bancos agora querem saber onde foi parar o dinheiro que emprestaram.

O banco Indusval chegou a gastar alguns milhares de dólares numa investigação para desvendar se o dono mandou dinheiro para o exterior — mas, por enquanto, só encontrou uma conta nos Estados Unidos com 40 000 dólares (o banco nega a investigação). Em outros dois casos, da varejista Gep, dona da marca Luigi Bertolli, e do grupo JJ Martins, dono da rede de concessionárias carioca Barrafor, os empresários juntaram várias empresas no mesmo bolo da recuperação judicial com a intenção de proteger o máximo de bens possível.

Os grupos dizem que caixa e dívida das empresas se misturam, mas os credores questionam como eles escolheram as empresas que ficaram dentro e fora da recuperação — quem emprestou para a subsidiá­ria que tem operação rentável, por exemplo, não gostou. Uma consequência prática da inclusão de empresas saudáveis na recuperação judicial é impedir que seus bens sejam transferidos a credores de outras companhias do mesmo grupo.

Para os bancos, o caos de processos de recuperação judicial cria um enorme problema. O sistema bancário brasileiro é altamente concentrado — o que faz com que os grandes bancos sejam credores em quase todas as recuperações judiciais. Só o Banco do Brasil é credor em cerca de 2 000 processos.

O problema não é só o prejuízo gerado pelo deságio da dívida, mas os efeitos sobre sua capacidade de conceder crédito. Pelas regras do Banco Central, as dívidas de empresas em recuperação judicial precisam ser integralmente provisionadas, o que piora os índices de inadimplência do banco.

Muitas empresas só conseguirão sair do sufoco se tiverem acesso a novos empréstimos, mas estes também precisam ser provisionados do mesmo jeito. O banco, naturalmente, teme fazer novos financiamentos para ajudar a viabilizar um plano de recuperação, já que corre o risco de jogar dinheiro bom em cima de dinheiro ruim.

Solução privada

Nos Estados Unidos, é comum que investidores especializados aproveitem esse espaço para emprestar dinheiro a quem é visto como radioativo pelos bancos. Mas, no Brasil, o vaivém de juí­zes e credores atrapalha bastante.

O medo de brigas é tão grande que, até hoje, apenas a petroleira OGX e a empreiteira OAS recorreram ao financiamento conhecido como “dip” (do inglês debtor in possession), em que o novo credor tem preferência em relação aos demais. Nos dois casos, parte dos credores tentou barrar na Justiça esse direito.

A OGX parou de produzir petróleo em março e hoje é uma empresa inoperante. Na OAS, a briga também foi em vão, já que, depois que a empresa conseguiu a aprovação do financiamento na Justiça, a canadense Brookfield, que daria o financiamento, desistiu do negócio. Não surpreende, portanto, que muitos credores estejam fugindo da recuperação judicial sempre que podem.

Hoje, empresas com dívidas somadas de mais de 100 bilhões de reais estão adotando o que se chama de “rees­truturação privada”. O devedor chama meia dúzia de bancos à mesa e discute um plano de reestruturação, sem que os credores tenham de alardear as perdas em seus balanços.

Mas, de novo, parece mais simples na teoria do que é na prática — só funciona se os resultados da empresa melhorarem, o que não tem sido muito fácil numa recessão como a atual. Se isso não acontece, a única saída é a recuperação judicial. E, aí, seja o que Deus quiser.

Ao todo, as dívidas do Grupo Itapemirim chegam a R$ 336,49 milhões, sendo a maior parte do passivo com fornecedores (R$ 169,49 milhões), seguido de instituições financeiras (R$ 124,28 milhões) e débitos trabalhistas (R$ 42,7 milhões). Todos os credores terão o prazo de até 30 dias para contestarem o valor das dívidas, além da apresentação de novos débitos.

O pedido de recuperação envolve as empresas Viação Itapemirim S/A, Transportadora Itapemirim S/A, ITA – Itapemirim Transportes S/A, Imobiliária Branca Ltda, Cola Comercial e Distribuidora Ltda e Flexa S/A – Turismo Comércio e Indústria, todas pertencente ao ex-deputado federal Camilo Cola (PMDB). Durante a recuperação judicial, fica suspenso qualquer tipo de protesto às empresas que vão continuar atuando no mercado. A medida garante ainda a continuidade da exploração do serviço de transporte de passageiros até 2023.

Bassa 064

Na ação, o grupo econômico – administrado hoje pelo filho do ex-parlamentar, Camilo Cola Filho – narra dificuldades após mais de 60 anos de fundação da empresa que deu origem a Viação Itapemirim, que já foi a maior do País no transporte rodoviário de passageiros. A empresa sustenta que as atividades do grupo são “hipersensíveis às flutuações de mercado, o que afeta diretamente suas finanças”.  O processo de recuperação judicial não incluiu a empresa Viação Kaissara, que anunciou ter adquirido 40% da frota de veículos da Itapemirim no segundo semestre do ano passado.

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