‘Itapemirim não estava habilitada para a licitação em São José dos Campos’, diz presidente da Fetpesp

Federação das Empresas de Transportes de Passageiros aponta irregularidades na aprovação da Itapemirim para operar o transporte coletivo em São José
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A empresa Itapemirim vem se tornando uma ‘bomba-relógio’ prestes a implodir o novo sistema de transporte coletivo de São José dos Campos, principal projeto do segundo mandato do prefeito Felicio Ramuth (PSDB).

Na avaliação de Mauro Herszkowicz, presidente da Fetpesp (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo), a companhia viária não estava habilitada para vencer a licitação, o que deve desencadear série de problemas para o município. O mais grave deles é o atraso no início da operação do novo sistema.

“Podemos imaginar que haverá consequências dessa tentativa de habilitação sem procedência”, disse ele a OVALE.

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Confira a entrevista na íntegra.

A Fetpesp enviou ofício à Comissão de Licitação da Prefeitura de São José dos Campos, em outubro de 2021, apontando que o novo sistema era economicamente insustentável. Qual a prova disso?

Há um conceito equivocado de que todo o custo dos sistemas de transporte pode ser arcado pela tarifa cobrada do usuário, e nesse sentido é que a atuação da Federação sempre será para tentar contribuir para um projeto viável e competitivo.

A manifestação da Federação nunca será no sentido de confronto com a Administração do Estado ou dos municípios. Na maioria absoluta das vezes, os órgãos gestores têm as melhores intenções na concepção dos projetos de mobilidade, e contam com pessoas capazes ou mesmo instituições renomadas para desenvolver os planos.

No caso de São José dos Campos, podemos fazer uma pergunta: como uma Tarifa Técnica de Referência abaixo de R$ 5,24 para o lote 1 e de R$ 4,94 para o lote 2, mesmo corrigida, poderá bancar um aumento brutal de oferta de transporte e de frota?

Só para lembrar, atualmente são pouco mais de 300 ônibus. A frota futura terá mais de 500. A administração escolhe o modelo de mobilidade, e essa é uma função extremamente desafiadora. Mas ao mesmo tempo não pode ignorar que os custos de investimento e de operação estão ligados às escolhas. Ônibus articulados, ar-condicionado, maior oferta, ônibus elétricos, tecnologias, tudo pode ser ofertado, sim. Mas tem custo.

Um exemplo sempre equivocado, citado com muita frequência, é que a tarifa da capital é de R$ 4,40. Talvez seja corrigida para R$ 5,15. Mas, ninguém fala que o município de São Paulo subsidia o sistema em R$ 3 bilhões por ano. Ora, se você dividisse esse custo pelos passageiros, ao invés de subsidiar, a tarifa seria em torno de R$ 9!

Calculamos, sem qualquer tendência, os custos para rodar o sistema de São José, e a tarifa do projeto atual seria algo em torno de R$ 7,40, isso considerando que a demanda prevista seria realizada. Parece loucura, mas não é. Vamos ressaltar que esse desafio tarifário e de sustentabilidade não é só de São José dos Campos. É de todos os sistemas urbanos. Logo, não é um problema só dessa ou daquela prefeitura, mas sim de toda a sociedade. A questão do custeio dos sistemas é séria e urgente.

A Fetpesp impugnou o edital, mas a comissão não aceitou o argumento. Foi um erro ter mantida a licitação como estava?

A Administração tem que acreditar no seu projeto, mas o interesse de participantes tem a ver com a viabilidade. Com todo o respeito, não tem como acreditar que a demanda será a prevista nos estudos, nem antes da pandemia, e muito menos no atual cenário. A pandemia não é só um problema de saúde. As consequências dela trouxeram impactos para muitos setores, e um dos mais afetados está sendo o do transporte coletivo.

Também sou dirigente da ANTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), onde fazemos inúmeros estudos das consequências da pandemia país afora. Os resultados são alarmantes, e o rombo do setor no país é de mais de R$ 20 bilhões!

Obviamente, o Poder Público tem que agir, rápida e intensamente, para não degradar os sistemas, o que significa bancar a diferença entre a oferta e a receita. Isso é muito grave em todos os sistemas. Por que seria diferente em São José dos Campos? A licitação corrige essa distorção? É obvio que não. Mais uma vez, tem de haver um debate sobre o custeio.

A Federação também recorreu ao TCE. O caso já foi julgado?

O TCE ainda não julgou definitivamente, mas recorremos sim, principalmente pelo precedente de inviabilidade. Ou seja, o foco está na sustentabilidade do contrato.

O prefeito de São José diz que o novo sistema de transporte será o maior legado do segundo mandato dele. Como foi feita, a licitação compromete esse legado?

São José dos Campos é um dos municípios mais bem estruturados do Estado e do País. A Federação não emite opiniões sobre essa ou aquela administração. Esse não é o nosso papel. Mas entendemos que um projeto de mobilidade bem elaborado e viável é, sem dúvida, um dos maiores legados para a população.

Temos a visão de que a Prefeitura poderá considerar o atual cenário de transportes urbanos do país e relançar um edital viável. A pandemia bateu forte no setor, e o projeto em questão é anterior a essa situação. Repito: o problema de sustentabilidade dos transportes não é de São José dos Campos. É de todos os sistemas urbanos do país. Aliás, do mundo.

O Grupo Itapemirim foi o vencedor dos dois lotes do novo sistema de transporte de São José. Por que a Fetpesp questionou essa vitória?

Está na nossa manifestação. A habilitação existe, por conceito e por força de lei, para avaliar a experiência e a capacidade do proponente. Daí a administração escolhe os critérios. Em São José dos Campos, o edital exigiu, principalmente, a comprovação de prestação anterior de serviços de transporte por ônibus de 130 e 120 veículos, aproximadamente, para habilitar para os lotes 1 e 2, respectivamente.

Quantos a proponente opera? Basta ver nos atestados que as declarações não correspondem a nenhum serviço operado pela proponente, que também não comprovou que tem funcionários ou qualquer estrutura. As informações são resultado de pesquisas junto à ANTT, que é o órgão gestor dos serviços declarados. Não existe nada lá sobre a proponente.

Os problemas do Grupo Itapemirim comprometem a operação em São José?

Preferimos não nos manifestar sobre esse tema. Nosso papel institucional é focado no processo licitatório, seus precedentes e efeitos nos serviços urbanos em todo o estado.

O MP pediu a falência do Grupo Itapemirim. O sr. acha que esses problemas todos enfrentados pela empresa irão impactar em São José?

Desse modo, preocupa-nos, mais uma vez, o precedente: a habilitação não foi colocada no edital à toa. É um dever legal e visa garantir que o vencedor tenha condições de prestar serviço adequado.

Entendemos que essa é uma avaliação que os responsáveis pela contratação têm que fazer. No entanto, temos certeza de que a proponente não estava habilitada para a licitação em questão. Assim, ainda que não entremos em outras questões ou façamos juízo das últimas notícias sobre o grupo da proponente, podemos imaginar que haverá consequências dessa tentativa de habilitação sem procedência.

As medidas tomadas pela Fetpesp diante da licitação em São José foram criticadas como corporativistas. A entidade estaria defendendo que a tarifa em São José fosse mais cara, ao passo que o edital previa a vitória de quem apresentasse a menor tarifa. Com mais ônibus e uma menor tarifa, é possível prestar um bom serviço de transporte em São José?

Nunca defendemos a tarifa mais alta! Aliás, modicidade tarifária — ou tarifas acessíveis — é um princípio legal dos serviços públicos. Mas, defendemos que os sistemas urbanos têm que ser sustentáveis. Esse debate é técnico e financeiro, mas muitas vezes é tratado por quem não tem familiaridade com o tema, ou usa exemplos inválidos, tal como a tarifa da capital.

Como dissemos, as escolhas têm consequências nos custos. A Lei de Mobilidade Urbana trata disso com muita clareza: sistema deficitário tem que ser subsidiado! Assim, ou você reduz o custo de operação e tenta manter a tarifa mais baixa, o que está cada vez mais difícil — senão impossível — ou o sistema terá que ser subsidiado.

Entendemos, repito, que a população não deve arcar com todos os custos do sistema. Tudo indica que em São José o debate deva caminhar para uma licitação com algum tipo de subsídio, pois assim já é em São Paulo, Campinas, Sorocaba, São Bernardo do Campo, Brasília, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre e em muitas outras localidades que pretendem manter tarifas mais acessíveis.

Falei anteriormente que esse problema é mundial, e na maioria absoluta dos países onde o transporte urbano funciona de verdade, muitos do chamado primeiro mundo, os sistemas são fortemente subsidiados. Isso não é novidade.

Na terça-feira (4), a prefeitura emitiu a primeira notificação ao Grupo Itapemirim por descumprimento do contrato. A empresa não apresentou o contrato de aquisição de novos ônibus. Isso já era esperado?

Pelo que estamos acompanhando, a Prefeitura está simplesmente tentando fazer cumprir o quanto previsto no calendário da licitação.

O prefeito também já admite rescindir o contrato com a Itapemirim. A Fetpesp acredita que isso vai acontecer em São José, como ocorreu em Nova Friburgo (RJ), onde a Itapemirim abandonou o contrato sem operar?

A Prefeitura tem autoridade e competência para agir, inclusive em caso de não cumprimento de obrigações intermediárias ao início de operação. Todos já sabem o que aconteceu em Nova Friburgo, que é um sistema bem menor que o de São José dos Campos. Só para lembrar, em Nova Friburgo a mesma proponente de São José dos Campos não cumpriu um contrato emergencial de 90 ônibus usados.

Por fim, como o sr. vê essa crise envolvendo o Grupo Itapemirim? O que ela pode ensinar aos operadores rodoviários?

Não vou emitir opinião sobre essa ou aquela empresa. Só sabemos que a proponente de São José dos Campos não demonstrou experiência ou capacidade técnica e financeira para manter uma operação importante como essa.

O que eu quero que fique claro é que o transporte urbano é um serviço essencial e um direito constitucional. Nós somos operadores, e a nossa experiência mostra que um contrato tem que ser sustentável de partida, porque depois não se corrige e o sistema degrada. As iniciativas da Federação, em suas esferas de atuação institucional, sempre serão no sentido do diálogo cordial e na tentativa de garantir condições licitatórias competitivas e contratos sustentáveis.

Fonte: O Vale