A Viação Itapemirim, fundada em 1953 por Camilo Cola em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, tornou-se referência no transporte rodoviário brasileiro. Na década de 1970, consolidada como a maior empresa do setor no Brasil e uma das maiores do mundo, a companhia decidiu inovar ao explorar a fabricação própria de veículos. Esse passo, ousado e visionário, marcou profundamente a história da empresa e a indústria nacional de transporte rodoviário.
Os primeiros passos no desenvolvimento de veículos
Em meados dos anos 1970, a Itapemirim deu início a suas primeiras experiências como fabricante de veículos. A ideia surgiu de uma necessidade prática: aumentar a capacidade de transporte de cargas e passageiros. A solução pioneira foi adaptar um monobloco Mercedes-Benz com um terceiro eixo traseiro, instalado diretamente nas oficinas da empresa.
Essa adaptação, além de ampliar a capacidade de carga do veículo, abriu caminho para novos projetos. Em 1975, a Itapemirim encomendou à Ciferal a construção de um modelo com três eixos baseado na plataforma Mercedes-Benz O-355. Essa parceria deu origem a protótipos que seriam testados até culminar, em 1981, no lançamento do primeiro chassi próprio da empresa: o Tribus.
O lançamento do Tribus e a consolidação da fábrica própria
O Tribus foi uma resposta direta às limitações do mercado nacional, onde os grandes fabricantes ainda não ofereciam chassis de ônibus com três eixos. A solução caseira da Itapemirim, baseada em plataformas Mercedes-Benz O-364 com motor turboalimentado de 285 cv, resultou em um veículo com maior capacidade de bagagem e adequação às regulamentações federais de carga por eixo.
A produção inicial, que incluiu 27 unidades, enfrentou desafios logísticos: a Ciferal, responsável pelas carrocerias, não conseguiu atender à demanda, entregando um modelo considerado antiquado. A Itapemirim aproveitou o obstáculo como oportunidade. A solução veio na forma da carroceria Diplomata, fabricada pela Nielson, mais moderna e eficiente. Essa mudança também foi acompanhada de uma reformulação visual da frota, criando uma identidade vibrante e marcante.
Com o Tribus oficialmente homologado em 1981 pelo Conselho Deliberativo de Transporte Coletivo (CDI), a Itapemirim passou a produzi-lo para uso interno e, eventualmente, para terceiros. No entanto, o foco permaneceu em suprir a enorme demanda interna da empresa, que, à época, possuía uma frota de 2.200 ônibus e necessitava renovar pelo menos 25 veículos mensalmente.
Avanços e dificuldades técnicas
Os anos seguintes trouxeram melhorias técnicas e novos modelos. Em 1985, foi lançado o Tribus II, com avanços na suspensão (agora pneumática), design atualizado e melhorias na estrutura do veículo. Paralelamente, a empresa introduziu o Superbus, modelo de dois eixos que também contou com carroceria própria.
Apesar do sucesso técnico, o terceiro eixo do Tribus enfrentava críticas devido a problemas de vibração, que causavam desconforto aos passageiros. Esses desafios, somados aos altos custos de produção e expansões ambiciosas, geraram especulações sobre a viabilidade financeira da fábrica.
Expansão e diversificação nos anos 1990
No final da década de 1980, a Itapemirim lançou o Tribus III, com estrutura de alumínio, carroceria mais leve e motor turboalimentado com intercooler de 325 cv. Esse modelo trouxe novas linhas de design e estabeleceu a Tecnobus, empresa criada para centralizar a produção de veículos do grupo.
A diversificação foi um passo natural. Em 1990, a Itapemirim desenvolveu o Clip, um furgão de média capacidade voltado para operações logísticas urbanas. A proposta inovadora atendia às necessidades de entrega de pequenas mercadorias em centros urbanos, com agilidade e eficiência. Outro destaque foi o Cargo Car, monoblocos Mercedes-Benz adaptados para transporte de carga.
Esses projetos demonstraram a capacidade da empresa de se reinventar, mas também evidenciaram os limites da produção própria em um mercado cada vez mais competitivo.
O declínio da produção própria
Nos anos 1990, a produção de ônibus e furgões começou a desacelerar. Enquanto o mercado nacional de veículos leves e pesados se expandia com novas opções, a Tecnobus enfrentava dificuldades para competir. Modelos como o Tribus IV e o Superbus IV marcaram a última grande renovação da frota própria, mas já indicavam a necessidade de adaptação às demandas do mercado.
A partir de 1999, a Itapemirim passou a incorporar veículos de outros fabricantes, como Busscar e Marcopolo, reduzindo gradativamente a produção própria. O último modelo desenvolvido internamente, o Colabus, lançado em 2003, teve produção limitada.
Com a suspensão da fabricação de ônibus e furgões, a Tecnobus foi redirecionada para manutenção e reparos da frota do grupo. A tentativa de introduzir novos projetos, como um caminhão semipesado ou a transmissão automática para o Tribus, não avançou, marcando o fim de uma era.
A crise financeira e a falência do grupo
A partir dos anos 2000, a Itapemirim enfrentou dificuldades financeiras crescentes. Em 2016, com dívidas superiores a R$ 200 milhões, entrou em recuperação judicial. O agravamento da crise culminou na venda do grupo para um investidor em 2017. A operação foi marcada por controvérsias, incluindo o desvio de recursos para a fundação da companhia aérea ITA, que encerrou operações após apenas seis meses de atividade.
Em setembro de 2022, a Justiça decretou a falência da Itapemirim, com passivos tributários e previdenciários ultrapassando R$ 2 bilhões.
O legado da Itapemirim no transporte brasileiro
Apesar do fim trágico, a Viação Itapemirim deixou um legado indelével. Sua trajetória como fabricante de veículos marcou uma época de inovação e ambição na indústria de transporte rodoviário. Os modelos Tribus e Superbus, com suas inovações técnicas e visuais, influenciaram o mercado e demonstraram o potencial de independência frente aos grandes fabricantes.
Hoje, os veículos remanescentes da Itapemirim ainda circulam, principalmente em empresas menores, como relíquias de uma era dourada do transporte rodoviário no Brasil. A história da Itapemirim serve como exemplo do impacto que visão, coragem e inovação podem ter, mesmo diante das adversidades.
Imagens: Acervo Ônibus & Transporte
Com informações de Lexicar
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