Após mais de dois anos operando as linhas da antiga Viação Itapemirim por um valor simbólico, a Suzantur — empresa do ABC paulista com histórico no transporte urbano — está perto de assumir oficialmente todos os ativos da massa falida da tradicional viação capixaba, avaliada em R$ 97 milhões. E o mais surpreendente: sem precisar colocar dinheiro algum na mesa.
A informação foi revelada em reportagem publicada inicialmente pelo site Metrópoles na coluna Dinheiro & Negócios, por Gabriella Furquim.
O contrato de arrendamento firmado entre a Suzantur e a administradora judicial EXM Partners, no mesmo dia em que a falência da Itapemirim foi decretada (21 de setembro de 2022), prevê uma cláusula que autoriza o uso de 50% dos investimentos realizados durante a vigência do contrato como crédito em eventual leilão. A empresa afirma ter investido R$ 550 milhões na operação, o que lhe garantiria um lance de até R$ 275 milhões — quase três vezes o valor dos bens avaliados da massa falida.

O arrendamento foi fechado por R$ 200 mil mensais ou 1,5% da receita com a venda de passagens, o que fosse maior, permitindo à Suzantur explorar 125 linhas interestaduais, pontos de venda, salas VIP, marcas e até imóveis da Itapemirim. O contrato foi aprovado sem qualquer concorrência prévia ou análise de capacidade operacional da empresa — que, até então, não atuava no segmento rodoviário de longa distância.
Concorrência ignorada
Apesar da ausência de um chamamento público, empresas tradicionais do setor chegaram a apresentar propostas mais vantajosas ao longo do tempo. A Viação Garcia, a Rio Doce e a Águia Branca manifestaram interesse ainda em 2022. Em 2023, a Expresso União entrou na disputa com uma oferta de R$ 1 milhão mensais, sem exigência de indenização por investimentos. A Águia Branca reagiu com proposta de R$ 1,2 milhão, e a União subiu para R$ 1,7 milhão. No fim de janeiro de 2025, a Águia Branca chegou a oferecer R$ 3 milhões — quinze vezes mais do que a Suzantur paga atualmente.
Ainda assim, a administradora judicial EXM Partners continuou defendendo a permanência da Suzantur, chegando a solicitar ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) a prorrogação do contrato por mais 180 dias. A justificativa foi a proximidade do leilão dos ativos — que ainda não tem data marcada.
Em fevereiro, o TJSP acatou o pedido da EXM, prorrogando o arrendamento. Porém, dias depois, uma nova decisão suspendeu a medida. A Suzantur recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que restabeleceu, em decisão liminar, a validade do contrato por mais 180 dias.
Promessa de investimento na Itapemirim
Na ação, a Suzantur sustenta que investiu R$ 280 milhões na operação das linhas e outros R$ 220 milhões na compra de novos ônibus. O valor alegado reforça sua capacidade de adquirir a massa falida sem novo aporte, utilizando a cláusula contratual que converte 50% do investimento em crédito de arrematação.
Apesar das declarações da empresa, dados da ANTT obtidos por meio de ofício em outubro de 2023 revelam que, das 125 linhas autorizadas à Suzantur, apenas 29 estavam efetivamente em operação — o que levanta dúvidas sobre o cumprimento das obrigações contratuais e a eficácia da gestão defendida pela administradora judicial.
O caso segue gerando controvérsias e críticas no setor, especialmente diante da ausência de critérios técnicos, da desconsideração de propostas mais vantajosas e da possibilidade de transferência de patrimônio público sem a devida contrapartida financeira.
Imagens: Jovani Cecchin
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