Por mais de quatro décadas, a Viação Cometa se destacou como a principal operadora de ônibus entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Com sua frota icônica e inovações pioneiras, a empresa não apenas conectou as duas maiores metópoles do Brasil, mas também deixou um legado profundo na indústria de transporte e na memória de gerações de passageiros.
A era de ouro dos ônibus rodoviários
Fundada em 1948, a Cometa rapidamente se destacou no mercado de transporte rodoviário. A partir de 1961, a empresa deu um passo à frente ao padronizar sua frota com modelos fabricados em duralumínio sobre chassis Scania. Essa parceria rendeu os icônicos Flecha de Prata, Jumbo e Dinossauro, que se tornaram sinônimos de qualidade, eficiência e conforto. Esses modelos não apenas elevaram o padrão do transporte rodoviário, mas também consolidaram a Cometa como o maior cliente da Scania e da encarroçadora Ciferal no Brasil.
Entre os anos 1960 e 1980, a Cometa deteve o título de maior operadora de ônibus Scania do mundo, um marco que atestava sua liderança e capacidade operacional. A qualidade dos veículos e a eficiência de sua manutenção garantiram à empresa uma reputação inigualável entre passageiros e especialistas do setor.
A crise da Ciferal e a criação da CMA
No início da década de 1980, a Ciferal enfrentava uma grave crise financeira. Em meio à incerteza, a Cometa decidiu tomar as rédeas de sua produção de carrocerias. Assim nasceu, em 1982, a Companhia Manufatureira Auxiliar (CMA), criada para fabricar os novos veículos da empresa. A CMA reuniu uma equipe técnica altamente especializada, incluindo profissionais oriundos da própria Ciferal.
O primeiro modelo da CMA, o Flecha Azul, foi apresentado em 1983. Com carroceria inspirada no Ciferal Dinossauro – que, por sua vez, remetia aos antigos GM Coach operados pela Cometa na década de 1950 – o Flecha Azul foi descrito como a “terceira geração” desse conceito. Mais espaçoso e leve, o modelo trouxe melhorias significativas, como poltronas de couro reclináveis, banheiros com layout renovado e janelas maiores.
A expansão e as inovações da CMA
Inicialmente instalada em uma garagem da Cometa em São Paulo, a CMA alcançou uma capacidade produtiva de 1,5 carrocerias por dia, permitindo a renovação planejada de 240 ônibus por ano. Apesar disso, a produção real ficou em torno de 100 unidades anuais.
Em 1984, a CMA diversificou sua atuação ao produzir monoblocos urbanos, chamados de Padron B, destinados à subsidiária da Cometa em Campinas. Esses veículos, também montados sobre chassis Scania, destacavam-se pelo design imponente e capacidade de transportar até 181 passageiros.
Ao longo dos anos, o Flecha Azul passou por diversas atualizações, resultando em oito versões distintas. A evolução incluiu melhorias internas, como novos itens de conforto, e avanços externos, como o aumento das janelas e alterações no design para acomodar sistemas de ar-condicionado.
No ano 2000, a Viação Cometa implementou mudanças significativas em sua frota, apostando em novos chassis Scania K-124 IB 6×2 com 420 cv e em uma carroceria totalmente redesenhada, batizada de CMA-Cometa (conhecido como “Estrelão”). O modelo incorporou inovações como revestimento externo em chapa lisa, vidros colados, itinerário eletrônico e ar-condicionado com controle automático de temperatura, rompendo com a tradição das históricas laterais frisadas e a pintura icônica que permaneceu por quase 50 anos.
Apesar do design conservador, o interior manteve o padrão clássico da companhia, com poltronas de couro vermelho. Em 2002, o modelo recebeu ajustes estéticos, com mudanças na área ao redor dos faróis, consolidando o novo visual.
A transição de filosofia e o declínio da CMA
Em 2002, a Cometa foi adquirida pela Auto Viação 1001, de Niterói, marcando uma mudança drástica na gestão e na estratégia da empresa. Sob o novo comando, a Cometa abandonou os padrões estabelecidos pela CMA, optando por chassis Mercedes-Benz e carrocerias Marcopolo. A transação marcou o início de uma nova fase para a empresa paulista, famosa pelos emblemáticos ônibus Flecha Azul, que dominaram as estradas brasileiras por décadas.
Já em 2002, sob a nova administração, a Cometa recebeu uma frota renovada, aposentando muitos de seus históricos Flechas Azuis. A renovação da frota simbolizava uma ruptura com o passado e a busca por um modelo de gestão mais moderno e alinhado aos padrões do Grupo JCA.
Entre os ônibus desativados pela Cometa, dez unidades ganharam uma segunda vida em outras empresas do grupo. Dez Flechas Azuis foram repassados para a Auto Viação 1001, outra gigante do transporte controlada pelo JCA. Seis desses veículos operaram na frota federal da 1001, com os prefixos 9616 a 9621, enquanto os outros quatro foram incorporados à frota intermunicipal da empresa, com prefixos RJ 108.191 a RJ 108.194.
A trajetória desses ônibus, no entanto, foi breve dentro da 1001. De 2004 a 2006, os Flechas rodaram em rotas regulares antes de serem transferidos para a Opção, empresa de fretamento e turismo do Grupo JCA, onde encerraram suas atividades. Essa movimentação interna entre as empresas do conglomerado demonstrava a estratégia integrada de gestão e aproveitamento de recursos que caracteriza o Grupo JCA.
Outras empresas do Grupo JCA como a Expresso do Sul e Viação Rio das Ostras também tiveram os icônicos Flechas em suas frotas.
A CMA, agora desvinculada da Cometa, tentou se reinventar. Em 2003, a empresa desenvolveu um protótipo rodoviário sobre chassi Volkswagen 17-240, mas o projeto não passou da fase experimental. Sem novos contratos e com uma produção limitada a peças de reposição, a CMA encerrou suas atividades em 2009.
O fim de um ícone
Em 2008, a Auto Viação 1001 determinou a desmobilização da frota de Flecha Azul, pondo fim a uma era que havia encantado milhões de passageiros. Contudo, em 2013, como parte das comemorações dos 65 anos da Cometa, um exemplar de 1999 foi restaurado e customizado como Flecha Azul LXV. Esse veículo, único em sua concepção, realizou 65 viagens comemorativas antes de ser retirado definitivamente de circulação.
Legado e impacto
A história da Viação Cometa e da CMA é marcada por inovações tecnológicas, design visionário e um compromisso inabalável com a qualidade. O Flecha Azul, em particular, tornou-se um ícone do transporte rodoviário brasileiro, simbolizando a excelência em uma época em que viajar de ônibus era uma experiência marcante.
Embora a CMA tenha encerrado suas atividades e os Flecha Azul não estejam mais em operação, a memória da Cometa permanece viva na indústria e entre os passageiros que vivenciaram suas jornadas. A empresa não apenas transportou pessoas, mas também ajudou a moldar o panorama do transporte rodoviário no Brasil, deixando um legado que inspira nostalgia e admiração.
Com informações da Lexicar
Imagens: Acervo Alex de Souza / Revista O Rei da Estrada
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