Com maior percurso em Manaus, linha de ônibus 014 percorre mais de 100 km em 3 horas

Fonte: A Crítica Matéria / Texto: Oswaldo Neto Fotos: Márcio Silva “O tempo de viagem é como se fosse daqui até Itacoatiara”. Motorista de ônibus há dez anos, Pedro José Malheiros, 53, se preparava ...

Fonte: A Crítica
Matéria / Texto: Oswaldo Neto
Fotos: Márcio Silva

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“O tempo de viagem é como se fosse daqui até Itacoatiara”. Motorista de ônibus há dez anos, Pedro José Malheiros, 53, se preparava para sua primeira viagem do dia na linha 014, da empresa Rondônia, quando soltou a frase que define o percurso realizado pelo ônibus. Sabendo disso, A CRÍTICA aceitou o desafio e decidiu acompanhar o trajeto num dia comum, comprovando a tese de que a 014 é, de fato, a linha com maior percurso da cidade.

Saindo da estação inicial, no Terminal de Integração 3, no bairro Cidade Nova, Zona Norte, Pedro dirige durante 3h percorrendo quase todas as zonas da cidade ao longo de 114 quilômetros, parando o ônibus 152 vezes  no embarque e desembarque de usuários. Ao todo, são 12 ônibus que partem em intervalos de 15 minutos para dar conta de, em média, 300 passageiros por viagem.

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Os números arregalam os olhos e obviamente resultam num grande desgaste físico para o motorista, que dispara: “Muitas vezes a gente para em posto de gasolina porque a gente sente vontade de beber água e de ir ao banheiro. Tenho que dar uma de super-herói”.

Percurso

A viagem inicia às 16h40 na Zona Norte, pelas avenidas Noel Nutels, Max Teixeira, Torquato Tapajós e alameda Santos Dumont. O movimento é pequeno no horário que já é considerado de pico em Manaus, apesar de todas as cadeiras do ônibus já estarem ocupadas nesta primeira etapa da viagem.

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Mais adiante, é a vez dos passageiros da Zona Oeste serem apanhados pela 014, iniciando o trajeto na avenida Constantinopla e seguindo pelas avenidas Desembargador João Machado, Laguna e Coronel Teixeira (Estrada da Ponta Negra). No caminho, avistamos o Shopping Ponta Negra, o Templo da Restauração e a sede do Governo do Estado.

A viagem ainda inclui um passeio pelos bairros Praça 14, Adrianópolis, Glória, Compensa, Zumbi, Jorge Teixeira e, por último, Cidade Nova, onde o Terminal 3 também é a estação final. Entre os principais pontos de referência que a linha 014 cruza estão: Cemitério São João Batista, Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), Estádio da Colina, Estádio Carlos Zamith, Hospital João Lúcio, Hospital Platão Araújo, Shopping Leste, Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e até a Rede Calderaro de Comunicação (RCC).

Sem perder a ‘pose’

Nem o calor, o cansaço da viagem e o estresse de alguns passageiros tiram o bom humor da cobradora Ana Maria Lima, 31. Apelidada de “loira” pelos colegas da estação, ela se prepara antes de cada partida, afinal, só vai parar de circular de ônibus pela cidade por volta de 0h.

Ana conta que acorda por volta das 5h30 para ir à faculdade. Estudante de Farmácia, ela mora no bairro Zumbi 2, Zona Leste, e é cobradora há seis anos, sendo que atende pela linha 014 há oito meses.

E é durante a tarde que todos os seus limites são testados na linha 014. Sem comer nem beber água, Ana passa 3h sem ingerir qualquer tipo de alimento. “Não tenho muito o costume de beber água. Às vezes tem passageiro que oferece as coisas e eu aceito, quando é de confiança”, brinca.

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Isso porque, segundo Ana, o vai-e-vem de rostos acaba resultando em cantadas feitas das formas mais inusitadas. “Eles escrevem o número no dinheiro, ou mandam recadinho. Já teve dia que um passageiro entrou e perguntou se eu era casada pro ‘motora’. Onde já se viu dar confiança pra gente que eu nunca vi?”, conta ela.

Ana não perde o bom humor nem em casos mais extremos. Apesar de nunca ter passado por situações mais graves, como assaltos, ela conta que lida diariamente com passageiros zangados com a rotina. “Aqui nós pegamos todos os tipos de passageiros. Quanto não tenho troco, tem gente que sabe esperar na frente e aguardar, mas tem passageiro que não… Ele fala mal e grita. Acho que a mídia poderia divulgar a forma correta do passageiro se comportar no coletivo. Seria bom pra todo mundo”.

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No fim do trajeto, por volta das 19h40, Ana sai da 014 e vai em direção ao banheiro da estação. Ela irá tirar um intervalo de 1h. Apesar da rotina estafante – e estressante – , ela diz gostar do trabalho. “Eu gosto e me acostumei com isso. É claro que quero sair daqui para ganhar mais dinheiro, mas é uma profissão que te dá muita alegria pelas pessoas e lugares que você conhece”.

Histórias que se misturam

A linha 014 transporta centenas de passageiros todos os dias, com classes sociais diferentes  e histórias que dariam um livro. A idosa Ruth Lopes, 67, é uma delas. “Estou voltando do trabalho”, disse ela.

Em poucos minutos de conversa, Ruth revelou que retornava de uma Casa de Saúde do Índio (Casai), localizada no quilômetro 24 da rodovia AM-010, onde trabalha como auxiliar de limpeza. “Eles me conhecem lá, ali tem vários deles que moram em área rural e precisam de ajuda. Eu não quero me aposentar, não quero ficar parada em casa”, diz.

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Já Ana Paula Pereira, 30, embarcou com sua filha em frente ao clube do SESC. A pequena Maria Eduarda, segundo Ana Paula, foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) aos dois anos de idade e, desde então, a dona de casa vem lutando ao lado da filha para conseguir amenizar o quadro. “É uma rotina corrida, mas o meu amor por ela vale todo esse esforço”, contou Ana Paula.