O transporte público gratuito deixou de ser uma utopia e se transformou em uma política pública em expansão pelo Brasil. Mais de 130 municípios já implementaram modelos de Tarifa Zero, garantindo à população o direito de se deslocar sem custo, com impacto direto na inclusão social, na economia e na sustentabilidade ambiental.
A proposta vai muito além da simples gratuidade: trata-se de reorganizar o sistema de mobilidade urbana sob uma nova lógica — pública, universal e progressiva — em que o acesso à cidade é reconhecido como um direito e não como mercadoria. O objetivo é construir um transporte digno, seguro, inclusivo e sustentável, gerido de forma transparente e com foco no interesse coletivo.
Para especialistas e gestores, a Tarifa Zero é o primeiro passo de uma transformação estrutural: exige visão de futuro, vontade política e participação popular, rompendo com o modelo em que o passageiro arca com o custo de um serviço cada vez mais caro e precário.
O novo modelo de gestão e financiamento
O avanço da Tarifa Zero tem impulsionado o debate sobre a criação de um Sistema Único de Mobilidade (SUM), nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta prevê a integração entre União, Estados e Municípios, com financiamento compartilhado e mecanismos de controle social.
A ideia é estabelecer um modelo progressivo de financiamento: quem tem mais ou causa mais impacto no trânsito e no meio ambiente contribui mais. Fontes como parte do IPVA, CIDE sobre combustíveis, taxas de estacionamento, contribuições empresariais e realocação orçamentária de 1% a 3% da receita municipal podem garantir a sustentabilidade financeira da política.
O sistema também propõe maior transparência nos contratos e planilhas de custos, separação entre despesas de operação (OPEX) e investimento (CAPEX) e o acompanhamento de metas de qualidade, como pontualidade, acessibilidade e renovação de frota.
Rio de Janeiro é referência nacional
O Estado do Rio de Janeiro se tornou uma das principais referências no país. Até setembro de 2025, 16 dos 92 municípios fluminenses já ofereciam transporte público totalmente gratuito, beneficiando cerca de 1 milhão de pessoas. Entre eles estão Maricá, Itaboraí e Japeri, que figuram entre as maiores cidades brasileiras com Tarifa Zero universal.

Em Maricá, o sistema público municipal expandiu de 3 linhas e 13 ônibus em 2015 para 49 linhas e 157 veículos em 2025, todos operados por uma empresa pública. O modelo é apontado como exemplo de eficiência, qualidade e planejamento.
Em escala nacional, o número de cidades com Tarifa Zero saltou de 73 para 137 entre 2022 e 2025, um crescimento de quase 90% em apenas três anos — tornando o Brasil o país com mais casos registrados no mundo.
Impactos econômicos e sociais
A implementação da Tarifa Zero tem efeitos diretos na redistribuição de renda e no orçamento familiar. Segundo dados recentes do IBGE, o transporte representa em média 20,7% dos gastos das famílias brasileiras, superando, entre os mais pobres, as despesas com alimentação saudável.
Ao eliminar esse custo, o poder de compra aumenta e o dinheiro retorna à economia local. Estudos mostram que municípios com transporte gratuito registraram crescimento médio de 10% na arrecadação de ISS, reflexo do fortalecimento do comércio e dos serviços.
A medida também facilita o acesso ao trabalho e à educação: amplia o raio de busca por emprego, reduz o absenteísmo escolar e melhora a qualidade de vida nas periferias urbanas, especialmente entre mulheres, jovens e trabalhadores informais.
Saúde pública e qualidade de vida
A gratuidade no transporte coletivo tem se mostrado uma aliada da saúde pública. Pesquisas apontam que até 40% da população das grandes cidades deixa de realizar consultas ou exames médicos por não ter condições de pagar a passagem. Em municípios que adotaram a Tarifa Zero, como São Caetano do Sul (SP), houve queda nas remarcações de consultas do SUS.
Outro impacto é o incentivo à atividade física e à socialização. O acesso a parques, áreas verdes e equipamentos de lazer é ampliado, reduzindo o sedentarismo e o isolamento de idosos. Em cidades com Tarifa Zero, o uso do transporte fora dos horários de pico cresceu significativamente, indicando que as pessoas passaram a circular também por lazer e convivência.
Tarifa zero: Uma ferramenta de justiça climática
O setor de transportes é um dos maiores emissores de carbono no país. Garantir transporte público gratuito, eficiente e atrativo é uma das estratégias mais eficazes para reduzir o uso do automóvel e, consequentemente, as emissões de poluentes.
Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, estima-se que uma pessoa morra a cada duas horas em decorrência da poluição do ar. Os municípios mais pobres — justamente os que menos utilizam carros — são também os que mais sofrem com enchentes e desastres ambientais.
Ao priorizar o transporte coletivo e investir em frotas limpas, como ônibus elétricos, a Tarifa Zero se torna uma resposta concreta à crise climática, alinhada à promoção da saúde e da dignidade urbana.
Cultura e lazer acessíveis a todos
A Tarifa Zero também democratiza o acesso à cultura e ao lazer. A gratuidade aos fins de semana em capitais como São Paulo resultou em aumento de 177% na visitação de parques públicos, especialmente nas regiões periféricas.
Durante o Carnaval do Rio de Janeiro, movimentos sociais defenderam o funcionamento gratuito e 24 horas do transporte coletivo, permitindo que trabalhadores e foliões da periferia participassem de forma mais igualitária da festa.
Essas experiências mostram que a mobilidade gratuita não é apenas um tema técnico: é uma política cultural, que amplia o convívio, a cidadania e o sentimento de pertencimento urbano.
Desafios e o futuro da mobilidade gratuita
Apesar do avanço, o modelo ainda enfrenta resistência política e desafios de financiamento em grandes metrópoles. Especialistas defendem que o caminho para a consolidação da Tarifa Zero passa pela integração entre esferas de governo, transparência na gestão dos recursos e participação popular nas decisões.

A tendência, segundo os estudos mais recentes, é que o transporte gratuito se torne um novo paradigma da mobilidade urbana brasileira, assim como o SUS foi para a saúde: um sistema público, universal e financiado de forma solidária, voltado para o bem viver coletivo.
Imagens: Rafael da Silva Xarão / Rodrigo Gomes
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