Fonte: O Estado de Minas
Edição extraída de: Unibus RN
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Josias é um personagem fundamental da história do Brasil, mas se pudesse apagaria para sempre da sua vida o dia 22 de agosto de 1976, data em que, por acidente, deixou de ser um anônimo motorista da Viação Cometa para se tornar protagonista de um mistério que ainda intriga o país após 35 anos: como morreu o ex-presidente Juscelino Kubitschek? A morte de JK entrou para a história oficial como um acidente automobilístico. O Chevrolet Opala dirigido pelo motorista do ex-presidente, Geraldo Ribeiro, teria sido fechado por um ônibus da Viação Cometa, perdido o controle, atravessado a pista – no quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, próximo a Resende (RJ) – e sido atingido por uma carreta Scania. Josias Nunes de Oliveira, de 68 anos, o motorista do ônibus, é a principal testemunha. Já foi indiciado como culpado e considerado inocente pela Justiça, mas carrega o peso de estar no lugar errado, na hora errada e ser a testemunha mais importante de um episódio com nuanças políticas que engendram uma grande conspiração.
Se aconteceu apenas um acidente ou se existiram fatores que provocaram a tragédia será uma pergunta que deverá ser respondida pela recém-criada Comissão da Verdade, escolhida a dedo pela presidente Dilma Rousseff para elucidar questões cabais, principalmente dos anos de chumbo, quando o Brasil foi governando por uma ditadura militar. A Comissão de Direitos Humanos da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) finaliza um dossiê, que contabiliza quase mil páginas, e será entregue à Comissão da Verdade ainda neste mês pedindo a investigação da morte de JK. “O mais importante são os relatórios militares sobre o acidente, pois as perícias foram comandadas pelos militares, que também impediram o acesso ao local do acidente, aos veículos e aos corpos”, afirma o presidente da comissão da OAB-MG, Willian Santos. A entidade quer ter, com o apoio da Comissão da Verdade, acesso a esses documentos e elucidar definitivamente as circunstâncias da morte do ex-presidente nascido em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha.
Josias não fala com a imprensa desde a época do acidente. Considera-se uma vítima da história e de reportagens da época. Mas o Estado de Minas conseguiu convencê-lo a desabafar: “Se eu fosse fraco teria feito bobagem. É duro pagar sem dever”, suspira. Há alguns anos separou-se da esposa e vive em um asilo em Indaiatuba (SP). Divide o quarto com outro idoso. São duas camas, um banheiro e nada mais. Paga 70% da aposentadoria para viver na casa de repouso e com o restante do dinheiro ajuda a ex-mulher e tenta fazer uma poupança para sua paixão: ir à praia. “Não gosto de sinuca nem de farra. Gosto mesmo é de beira de mar”, diz Josias, que visitou o Recife há dois anos.
No dia do acidente, ele fazia – como sempre fez nos anos anteriores –, a rota da capital paulista até o Rio de Janeiro. A memória é precisa e Josias lembra o número do carro: “Ônibus 1348, com 33 passageiros”. Um Opala com capota de vime seguia, segundo ele, cerca de 30 a 40 metros à frente, quando o automóvel perdeu o controle na curva, atravessou a pista e foi atingido em cheio por uma carreta. “Não teve nenhuma explosão antes. Também se alguém atirou no motorista eu não vi, mas acredito que é muito difícil”, lembra Josias, descartando a hipótese de atentado. “Foi acidente. Acidente mesmo. O duro é que ele (JK) estava com a passagem de avião no bolso”, lembra.
O ex-presidente foi a São Paulo e tinha uma passagem comprada para voltar a Brasília e ir para fazenda onde morava, em Luziânia (GO). Recebeu um telefonema para uma reunião no Rio de Janeiro, convocou seu motorista Geraldo, que trabalhava com ele havia 36 anos, e seguiu viagem, dispensando o bilhete aéreo. Relutante, Josias evita relembrar os dias mais tensos de sua vida. Voltar ao passado é como despertar para um pesadelo, quando frequentava as manchetes dos jornais e chegou a ocupar a cadeira de réu por exatas 12 horas e 20 minutos, como recorda em detalhes.
Josias diz que a “ficha caiu” e ele percebeu quem estava no Opala quando abriu a pasta, estilo 007, com diversos documentos dentro. Havia também três livros, sendo um deles As musas se levantam (Editora Olímpica, 1976), de Joaquim F. de Almeida. Josias não se esquece da dedicatória: “Ao insigne ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira leia as páginas 33 e 34 que refletem sobre sua vida”. Quem assinava o texto era um estrangeiro, que Josias não recorda o nome. “Procurei em muitas livrarias. Até em Belo Horizonte tentei encontrar, em uma loja na Avenida Amazonas”, ressalta o motorista, que não teve sucesso na busca. “Eu já tinha visto muito acidente, cheguei a ver desastre na Rio–Bahia com mais de 20 pessoas mortas. À época não tinha essa coisa de Samu, resgate, ambulância. O pessoal pegava um pedaço do corpo e colocava no acostamento para os carros poderem passar”, recorda o motorista.
História: Josias nasceu em Rancharia (SP), onde morou até os 16 anos no sítio em que os pais viviam, quando se mudou para Londrina (PR) e começou a trabalhar na Viação Garcia, como cobrador. Quando fez 18 anos, conseguiu a habilitação e logo depois passou a ser motorista, trabalhando na linha Londrina-Paranavaí. Nessa época, morava em um quarto alugado de uma casa de família. Ficou três anos no interior do Paraná, até se mudar para a capital paulista.
O primeiro emprego em São Paulo foi na Viação Baiana, dirigindo da capital paulista até Xique-Xique (BA), um trajeto de quase 2 mil quilômetros. Foram seis anos no mesmo percurso e no meio do caminho, na cidade de Rui Barbosa, conheceu a mulher. Tiveram três filhos, todos antes de 1976. O mais velho tem 41 anos, a do meio 37 e uma outra morreu aos 24, com pancreatite. Não bastasse o sofrimento por ter sido acusado de um dos acidentes mais importantes da história do país, Josias sofre com os problemas do filho mais velho, viciado em drogas. “Saí de casa para não acontecer uma tragédia. Não conseguia conviver mais com ele”, lamenta o pai, com os olhos marejados.
Depois do acidente permaneceu mais cinco anos como motorista da Viação Cometa e depois foi ser caminhoneiro, sempre como empregado. “Viajei o Brasil inteiro. Conheço 18 estados”, diz com orgulho. “O que gosto mesmo é de viajar. Ir para longe”, completa Josias. Seguiu como caminhoneiro até a aposentadoria, em 1996, aos 53 anos. Tem dois netos, um de 8 anos e outro de 4 meses.
Comissão da Verdade: Mais de 20 países criaram comissões da verdade para esclarecer crimes políticos na América do Sul, América Central, África e Ásia. Existe uma até mesmo no Canadá, que apura o massacre da população indígena no passado. No Brasil a Comissão da Verdade tem sete integrantes, empossados pela presidente Dilma Roussef em 16 de maio (foto): Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da República; José Carlos Dias, advogado e ex-ministro da Justiça; Maria Rita Kehl, psicanalista; Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada; Paulo Sérgio Pinheiro, sociólogo; José Paulo Cavalcanti Filho, advogado, e Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Comissão Nacional da Verdade vai esclarecer casos de violação de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988. A época investigada abrangerá não apenas a ditadura militar (1964–1985), mas também os governos de Gaspar Dutra (1946–1951), Getúlio Vargas (1951–1954), Juscelino Kubitschek (1956–1961), Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961–1963). Calcula-se que ao todo cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas somente nos primeiros meses da ditadura no Brasil e que aproximadamente 10 mil tenham vivido no exílio em algum momento desse ciclo. Além disso, 130 pessoas foram banidas do país e mais de 4,8 mil tiveram cassados os seus direitos políticos.
Josias não fala com a imprensa desde a época do acidente. Considera-se uma vítima da história e de reportagens da época. Mas o Estado de Minas conseguiu convencê-lo a desabafar: “Se eu fosse fraco teria feito bobagem. É duro pagar sem dever”, suspira. Há alguns anos separou-se da esposa e vive em um asilo em Indaiatuba (SP). Divide o quarto com outro idoso. São duas camas, um banheiro e nada mais. Paga 70% da aposentadoria para viver na casa de repouso e com o restante do dinheiro ajuda a ex-mulher e tenta fazer uma poupança para sua paixão: ir à praia. “Não gosto de sinuca nem de farra. Gosto mesmo é de beira de mar”, diz Josias, que visitou o Recife há dois anos.
No dia do acidente, ele fazia – como sempre fez nos anos anteriores –, a rota da capital paulista até o Rio de Janeiro. A memória é precisa e Josias lembra o número do carro: “Ônibus 1348, com 33 passageiros”. Um Opala com capota de vime seguia, segundo ele, cerca de 30 a 40 metros à frente, quando o automóvel perdeu o controle na curva, atravessou a pista e foi atingido em cheio por uma carreta. “Não teve nenhuma explosão antes. Também se alguém atirou no motorista eu não vi, mas acredito que é muito difícil”, lembra Josias, descartando a hipótese de atentado. “Foi acidente. Acidente mesmo. O duro é que ele (JK) estava com a passagem de avião no bolso”, lembra.
O ex-presidente foi a São Paulo e tinha uma passagem comprada para voltar a Brasília e ir para fazenda onde morava, em Luziânia (GO). Recebeu um telefonema para uma reunião no Rio de Janeiro, convocou seu motorista Geraldo, que trabalhava com ele havia 36 anos, e seguiu viagem, dispensando o bilhete aéreo. Relutante, Josias evita relembrar os dias mais tensos de sua vida. Voltar ao passado é como despertar para um pesadelo, quando frequentava as manchetes dos jornais e chegou a ocupar a cadeira de réu por exatas 12 horas e 20 minutos, como recorda em detalhes.
Josias diz que a “ficha caiu” e ele percebeu quem estava no Opala quando abriu a pasta, estilo 007, com diversos documentos dentro. Havia também três livros, sendo um deles As musas se levantam (Editora Olímpica, 1976), de Joaquim F. de Almeida. Josias não se esquece da dedicatória: “Ao insigne ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira leia as páginas 33 e 34 que refletem sobre sua vida”. Quem assinava o texto era um estrangeiro, que Josias não recorda o nome. “Procurei em muitas livrarias. Até em Belo Horizonte tentei encontrar, em uma loja na Avenida Amazonas”, ressalta o motorista, que não teve sucesso na busca. “Eu já tinha visto muito acidente, cheguei a ver desastre na Rio–Bahia com mais de 20 pessoas mortas. À época não tinha essa coisa de Samu, resgate, ambulância. O pessoal pegava um pedaço do corpo e colocava no acostamento para os carros poderem passar”, recorda o motorista.
História: Josias nasceu em Rancharia (SP), onde morou até os 16 anos no sítio em que os pais viviam, quando se mudou para Londrina (PR) e começou a trabalhar na Viação Garcia, como cobrador. Quando fez 18 anos, conseguiu a habilitação e logo depois passou a ser motorista, trabalhando na linha Londrina-Paranavaí. Nessa época, morava em um quarto alugado de uma casa de família. Ficou três anos no interior do Paraná, até se mudar para a capital paulista.
O primeiro emprego em São Paulo foi na Viação Baiana, dirigindo da capital paulista até Xique-Xique (BA), um trajeto de quase 2 mil quilômetros. Foram seis anos no mesmo percurso e no meio do caminho, na cidade de Rui Barbosa, conheceu a mulher. Tiveram três filhos, todos antes de 1976. O mais velho tem 41 anos, a do meio 37 e uma outra morreu aos 24, com pancreatite. Não bastasse o sofrimento por ter sido acusado de um dos acidentes mais importantes da história do país, Josias sofre com os problemas do filho mais velho, viciado em drogas. “Saí de casa para não acontecer uma tragédia. Não conseguia conviver mais com ele”, lamenta o pai, com os olhos marejados.
Depois do acidente permaneceu mais cinco anos como motorista da Viação Cometa e depois foi ser caminhoneiro, sempre como empregado. “Viajei o Brasil inteiro. Conheço 18 estados”, diz com orgulho. “O que gosto mesmo é de viajar. Ir para longe”, completa Josias. Seguiu como caminhoneiro até a aposentadoria, em 1996, aos 53 anos. Tem dois netos, um de 8 anos e outro de 4 meses.
Comissão da Verdade: Mais de 20 países criaram comissões da verdade para esclarecer crimes políticos na América do Sul, América Central, África e Ásia. Existe uma até mesmo no Canadá, que apura o massacre da população indígena no passado. No Brasil a Comissão da Verdade tem sete integrantes, empossados pela presidente Dilma Roussef em 16 de maio (foto): Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da República; José Carlos Dias, advogado e ex-ministro da Justiça; Maria Rita Kehl, psicanalista; Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada; Paulo Sérgio Pinheiro, sociólogo; José Paulo Cavalcanti Filho, advogado, e Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Comissão Nacional da Verdade vai esclarecer casos de violação de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988. A época investigada abrangerá não apenas a ditadura militar (1964–1985), mas também os governos de Gaspar Dutra (1946–1951), Getúlio Vargas (1951–1954), Juscelino Kubitschek (1956–1961), Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961–1963). Calcula-se que ao todo cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas somente nos primeiros meses da ditadura no Brasil e que aproximadamente 10 mil tenham vivido no exílio em algum momento desse ciclo. Além disso, 130 pessoas foram banidas do país e mais de 4,8 mil tiveram cassados os seus direitos políticos.