96 horas – A viagem de ônibus mais longa da América do Sul – São Paulo a Lima, no Peru

Fonte: Mobilidade em Foco Matéria / Texto: Carlos Alberto Ribeiro Fotos: Acervo Paraíba Bus Team   A linha de ônibus mais longa da América do Sul quem faz é a empresa peruana Ormeño e une as ...

Fonte: Mobilidade em Foco

Matéria / Texto: Carlos Alberto Ribeiro

Fotos: Acervo Paraíba Bus Team
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A linha de ônibus mais longa
da América do Sul quem faz é a empresa peruana Ormeño e une as cidades de São
Paulo à Lima, já no Peru. Com 5.917 quilômetros de extensão, liga o Terminal Rodoviário
do Tietê ao Bairro de San Isidro, em Lima, capital do Peru. Pra se ter uma
idéia, são 96 horas o tempo necessário para percorrer todo o trajeto.
Traduzindo em números, se saísse numa segunda-feira às 8h da manhã de São
Paulo, sua chegada em Lima aconteceria na sexta-feira, as 8h. E isso se não
ocorrer nenhum atraso durante a viagem. Praticamente quase que uma semana,
quatro dias de viagem.


Este antigo
sonho de integração entre os dois países, unindo pessoas que moram próximas ao
Oceano Atlântico aos moradores do outro lado do continente, vizinhas do Oceano
Pacífico, é feita por um complexo de estradas que cruza cinco Estados
brasileiros e sete departamentos peruanos. A linha sempre mostrou ser viável
economicamente, com média de 18 a 20 passageiros por viagem. Para o percurso,
desde a inauguração da linha, quase sempre foi escalado para o trajeto ônibus
com carroceria fabricada pela Comil, modelo Campione HD 4.05, com chassi
Mercedes-Benz O-500 RSD.

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Ou seja,
para uma das linhas mais longas e inóspitas do mundo, com profunda alteração de
topografia, clima, umidade do ar e diminuição de oxigênio, os ônibus utilizados
são da Comil e o chassi é da Mercedes-Benz, sinal da excelência da dupla
Comil/MBB para enfrentar um trecho de estrada que exige muito de um ônibus.
Afinal, em média, são 1.479,25 km/dia, o que dá cerca de 44.377 quilômetros por
mês. Com topografia tão variada, grande variação na velocidade média, ar
rarefeito na altitude e a exigência de funcionamento quase que contínuo de todo
o “powertrain”, o engenho de força é submetido a um duro teste.
 
Pneus, óleo
lubrificante do motor e da caixa, sistema de arrefecimento, chassi, suspensão a
ar, tudo tem de funcionar perfeitamente e dar sua cota de contribuição para o
tracionamento da grande e pesada carroceria. Esta, por sua vez, também é
submetida a esforços que demandam rigidez de fabricação, pois o piso rodante
sofre grande mutação e transmite a imperfeição que tem de ser absorvida, quase
que zerada, para minimizar ruídos oriundos da trepidação e do som proveniente
do motor quando o mesmo é submetido a marchas mais altas, reduzidas. Sem contar
que o conforto das poltronas, a qualidade do revestimento interno e os itens de
conveniência também são itens importantes para garantir comodidade numa viagem
tão longa e cansativa.
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Configurado para 44 passageiros, Leito Turismo/semi-leito, carroceria de 14
metros de comprimento, por ser da versão Low Driver (LD), o espaçamento entre
as poltronas é bom. Melhor ainda seria se fosse 38 ou 42 lugares, pois temos de
levar em conta o espaço tomado para o WC e outros acessórios a bordo. As
paradas durante a viagem ocorrem somente para abastecimento de combustível,
alimentação e higiene dos passageiros.
 
A última
informação que tive acesso sobre a viagem, de 2011, dizia que a viagem ocorre
uma vez a cada 15 dias e a passagem custava R$ 468,00. A linha começou a ser
explorada em 2010 pela empresa peruana Ormeño, a empresa das Américas do Sul e
Central que mais possui experiência em ligação rodoviária de grandes
distâncias, unindo os países do Peru ao Chile, Colômbia, Bolívia, Equador,
Argentina e Venezuela. Se no Brasil a Pluma detém todo o know-how em linhas
internacionais transoceânicas, a Ormeño é a rainha das três Américas neste
requisito.
 
Partindo de
São Paulo, 8h da manhã, a primeira parada ocorre seis horas depois, em Maracai,
Rodovia Raposo Tavares, próximo de Ourinhos, as 14 horas, para reabastecimento
e almoço. Após essa parada, o próximo itinerário é longo. A próxima parada
acontece em Cáceres (MT), início da madrugada, para janta ou lanche e banho. O
banho custa R$ 3,00 e dá direito a sete minutos de água quente no chuveiro,
tempo controlado por um operador. Recomeçando a viagem, são horas e horas de
viagens pelas planícies, com muito pasto para o gado e plantações de soja.
Neste trajeto tão longo, é preciso levar lanche a bordo, pois a próxima parada
ocorrerá em Pontes e Lacerda às 14 horas, para almoço e reabastecimento.
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Nesta
parada todos são avisados, comam bem e comprem lanches, pois a próxima parada
será às 7h da manhã do terceiro dia de viagem, na localidade de Nova
Califórnia, divisa de Rondônia com o Acre. Pra quem é acostumado com a
modernidade de nossas rodovias, o primeiro susto ocorre próximo ao meio-dia,
próximo de Abunã. Todos têm de descer do ônibus para a travessia do Rio
Madeira, feita numa balsa. Depois, mais 1h de viagem e o ônibus chega na
rodoviária de Rio Branco, capital do Acre. Após parada para almoço e descanso,
cerca de 40 minutos, mais 1h de viagem e o carro entra na cidade de Assis
Brasil, lado brasileiro; e Iñapari, lado peruano.

Nesta parada, no posto da Polícia Federal, são exigidos documentos pessoais de
todos os passageiros. Seguindo viagem, começa neste ponto a Rodovia
Interoceânica. A próxima parada será em Puerto Maldonado, capital do Estado de
Madre de Diós, às 21h. Veja como é longo, demorado, cada trecho da viagem antes
de cada parada, sempre em torno de 7 a 9h de viagem ininterrupta. Nesta
localidade, novo susto para quem é desacostumado. Nova travessia de balsa para
o ônibus e para os passageiros, os mesmos tem de cruzar o rio num bote/canoa. E
tem de pagar pela travessia. Preço, um sol (moeda peruana), cerca de R$ 0,60
por passageiro para atravessar o rio, largo, profundo e cheio de piranhas. Pior
ainda, esta travessia ocorre próximo da meia noite.
 
Novos
sobressaltos vêm mais adiante. Começa a área mais crítica, perigosa da viagem,
que é atravessar a Amazônia peruana e a Cordilheira dos Andes. Imagine
enfrentar, ter de passar por uma estrada de curvas fechadas e muitas subidas,
tendo ao lado a visão de despenhadeiros, grotas, de mais de 100 metros de
profundidade. E você vendo tudo isso a 4 metros de altura, com o medo do ônibus
não conseguir fazer a próxima curva. Nesta região, entre Madre de Diós e Cuzco,
se vê muitos garimpos, cujo trabalho ocorre durante 24 horas por dia. Mas o
pior da viagem, em termos de perigo, vem logo a frente, quando o ônibus começa
de vez a subida da Cordilheira dos Andes, até chegar a altitude de 4.725
metros, com velocidade média de 30 km/h.
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É a parte
que mais exige do trem de força do ônibus. Aclive acentuado, trecho extenso,
com oxigênio rarefeito. O sistema de refrigeração, turbo, óleo lubrificante e a
transmissão são exigidos ao máximo. Depois da subida começa a descida, rumo a cidade
de Cuzco, onde é o sistema de freios e o retardador, Top Brake, que tem de dar
conta de segurar o pesado ônibus em um declive forte e de muitas curvas
fechadas. Tudo feito próximo ao amanhecer, já na região do santuário inca de
Machu Picchu. Neste trecho, passageiros brasileiros, desacostumados com este
tipo de viagem, sentem tonturas, náuseas e vontade de vomitar por causa das
curvas.
 
Veja bem, é
neste terceiro dia de viagem, logo de manhã, que terá direito ao segundo banho
em chuveiro com água quente. Preço: três soles, R$ 2,00, em uma casa atrás da
rodoviária. Seguindo viagem, para piorar ainda mais a situação para quem já
estava com enjôos, a rodovia se transforma em novo labirinto de curvas. É a
última descida rumo ao litoral peruano, a Nazca. São muitas as trocas de duplas
de motoristas durante a viagem. Enquanto um dirige o outro descansa em um
compartimento atrás da cabine, com cama, som ambiente, ar condicionado,
calefação. Ou pode subir ao segundo andar e sentar em uma poltrona que esteja desocupada.
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Nem é
preciso dizer que os motoristas que enfrentam o lado peruano da viagem têm de
ser acostumados a dirigir veículos em estradas de grande sinuosidade, neblina e
grandes altitudes. Não é tarefa pra qualquer motorista. O fim da viagem ocorre
em San Isidro às 6h da manhã do quarto dia de viagem.