As vendas para órgãos do governo e para locadoras representam hoje, mais de 50% do volume total de veículos produzidos pelas montadoras. Mas nem sempre foi assim. No passado, muitas das fábricas nem tinham um departamento específico para esse atendimento e as vendas representavam muito pouco.
Hoje, há marcas, inclusive de veículos comerciais pesados, que têm departamentos dedicados exclusivamente a vendas ao governo e licitações. Como exemplo, cito o programa Caminho da Escola que há 16 anos tem importante participação na indústria brasileira de ônibus e que, somente no ano passado, representou 1/3 do total de ônibus fabricados no País.
Em 1976, há quase 50 anos, participei ativamente de uma das primeiras vendas ao governo realizadas pela indústria automobilística brasileira.
Naquela época, nos périplos que realizava às empresas públicas que suas atividades profissionais exigiam para estar bem-informado sobre as tendências do mercado e poder transformar em oportunidades de negócios para a Ford, onde respondia por vendas ao governo, o funcionário Celso de Almeida Roberti soube que a Secretaria de Segurança Pública da Polícia Militar do Estado de São Paulo estava com planos de renovar a frota de veículos para modernizar e reforçar o policiamento do Estado.
Ao tomar conhecimento desse programa, rapidamente convidou um representante do governo para uma reunião com a diretoria e engenheiros da Ford para conhecer os recursos da empresa para o desenvolvimento de um produto que atendesse ao desejo do governo.
Em reunião, em São Bernardo do Campo, os representantes da Secretaria de Segurança Pública informaram que precisavam de um veículo que oferecesse mais segurança para os policiais, pois a análise dos boletins de ocorrência indicava uma alto índice de atentados sofridos, e desejavam um automóvel quatro portas para o cumprimento de uma dupla função: funcionar como veículo para o transporte de presos e, também, prestar ajuda a mulheres grávidas e sem recursos para que fossem rapidamente transportadas para maternidades, além de realizar outros serviços sociais de pronto atendimento a pessoas sem assistência.
Para o transporte de meliantes, a Secretaria de Segurança informou que desejava um veículo com o espaço traseiro isolado dos bancos dianteiros, onde ficam os policiais porque os modelos de duas portas da frota de segurança pública tinham o perigoso inconveniente de não isolar devidamente a parte dianteira e permitir que os detidos, muitas vezes, tentassem e conseguissem furtar as armas do motorista ou do acompanhante e até disparassem contra eles. Por isso, precisavam de carros com maiores recursos de segurança.
O veículo idealizado possuía algumas características específicas, como separação do espaço interno do veículo por uma chapa de aço, isolando os policiais dos prisioneiros, gancho para manter os presos algemados, reforço das portas e travas comandadas pelo motorista, vidros laterais e traseiro laminados, fixos e resistentes para evitar fugas e preservar os policiais de atos de violência durante o transporte, bancos com revestimento de plástico e tapetes de borracha para facilitar a limpeza.
Para conseguir a aprovação do projeto, a Ford desenvolveu alguns protótipos e promoveu um programa de teste para avaliação de autoridades responsáveis para realizar possíveis mudanças ou inclusões de novos itens para maior segurança dos policiais.
Depois de aprovado o veículo, a Secretaria de Segurança Pública acabou por fechar um pedido de 200 veículos. Foi, naquela época, a maior venda realizada para o governo e os 200 Ford Corcel foram entregues durante solenidade realizada em frente à sede da entidade, na Avenida Higienópolis, no bairro de Vila Buarque em São Paulo, de onde os carros saíram em desfile provocando um momento de congestionamento de trânsito na cidade.
Os veículos foram utilizados pela Rádio Patrulha e pela ROE – Rondas Ostensivas Especiais. Além de preço especial por ser uma venda pela modalidade de faturamento direto, os automóveis também contaram com isenção de ICMS e IPI, e, ao faturar os carros, a Ford também emitiu as informações sobre as recomendações para o período de garantia e os recursos de segurança e de manutenção periódica.
A partir desse atendimento, a indústria automobilística modernizou o relacionamento com as entidades e empresas púbicas, com a designação de profissionais experientes para se manterem atualizados sobre o desempenho das frotas e poderem transmitir aos responsáveis pela manutenção técnica dos veículos e a ajudá-los com sugestões que contribuam para prolongar a vida útil dos veículos e para preservar a segurança dos policiais em serviço.
O relacionamento estabelecido com a Polícia Militar gerou outros benefícios à Polícia e à Ford – e também à Volkswagen na fase em que ocorreu a joint venture entre as duas empresas. Carros da frota da Polícia Militar da região de Tatuí, onde até hoje existe o Campo de Provas da Ford passaram a ser revisados pela montadora e, nessa fase o coronel Mello, na época responsável por parte da frota da PM, apresentou um plano para o desenvolvimento de veículos de policiamento com componentes mais robustos para maior durabilidade por serem utilizados 24 horas do dia pelas equipes em revezamento permanente. Mas eu nunca soube da implementação desse programa.
Imagens: Arquivo/Internet
Texto: Divulgação/Muito Além de Rodas e Motores