Ônibus funcionam sem licitação em 13 capitais do país

Fonte: O Globo  Matéria/Texto: Alessandra Duarte / Carolina Benevides Foto: Diego Almeida Araújo O transporte urbano em metade das capitais do país não é licitado. Levantamento feito pelo GLOBO ...

Fonte: O Globo 
Matéria/Texto: Alessandra Duarte / Carolina Benevides
Foto: Diego Almeida Araújo

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O transporte urbano em metade das capitais do país não é
licitado. Levantamento feito pelo GLOBO em órgãos de Transportes nas 26
capitais e no Distrito Federal aponta que o setor que foi o pivô das
manifestações de junho — iniciadas justamente pelo aumento da passagem de
ônibus — continua, em metade das principais cidades, sendo operado por empresas
que ganharam permissões e autorizações décadas atrás, mas que nunca passaram
por uma licitação para regular o sistema. 

Mesmo em
muitas capitais que fizeram licitação — que permite que o poder público regule
melhor o serviço e garanta seleção dos melhores preços —, o processo é recente.
No Rio, a primeira licitação foi feita em 2010.
Além da
falta de licitação, o transporte urbano no país enfrenta, ainda, o fato de que
muitas empresas continuam a contratar com o poder público apesar de terem
dívidas milionárias. Dever quase R$ 3 bilhões não impede que empresas continuem
a vencer licitações no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte: O GLOBO levantou,
na lista de inscritos na dívida ativa da União, utilizando CNPJs de empresas e
CPFs de empresários de transporte urbano, que 49 empresas e 17 empresários do
ramo devem R$ 2,8 bilhões. A título de comparação, isso equivale a 342 vezes o
valor pago para investimento, no primeiro semestre deste ano, dentro do
orçamento de 2013 do Ministério dos Transportes.
SP: lucro
de r$ 400 milhões por ano
As
regiões Sul e Nordeste têm, cada uma, apenas uma capital com esse serviço
licitado: Curitiba e João Pessoa. No Centro-Oeste, todas as capitais têm
licitação. E, no Norte, há três com licitação.
No
Sudeste, todas as capitais têm licitação, exceto Vitória. No município do Rio,
com quatro consórcios, a licitação chegou a ser alvo do Tribunal de Contas do
Município (TCM), que abriu investigação sobre suposta formação de cartel. À
época, foi divulgado que Jacob Barata Filho aparecia como sócio de sete
empresas, e que, ao todo, 12 empresários tinham participação em mais de uma
empresa. Mas o TCM arquivou o processo e, agora, uma CPI foi aberta na Câmara
Municipal.
— Não há
concentração. A pessoa física com maior participação possui 5,18%. Se o
critério for por grupos familiares, tem 11% — diz Lélis Teixeira, que preside o
Rio Ônibus, Sindicato das Empresas de Ônibus da cidade do Rio.
— Vimos
que não há cartel, mas agora o TCM vai apurar questões nebulosas como custo,
frequência dos ônibus, fiscalização. E dois auditores vão acompanhar a CPI —
conta Thiers Vianna Montebello, presidente do TCM do Rio.
Em São
Paulo, a licitação realizada em 2003, que venceria este ano, foi prorrogada por
até um ano; a prefeitura cancelou a nova licitação que ocorreria em 2013, para
estudar novo modelo do sistema, que deve ficar pronto até ano que vem. Deve ser
lançado só após ser concluída a CPI que ocorre hoje na Câmara municipal.
— A ideia
é esperar sua conclusão justamente para haver discussão. A qualidade do serviço
não é boa, é preciso debate — diz o secretário municipal de Transportes de São
Paulo e presidente da SPTrans, Jilmar Tatto (PT-SP), deputado licenciado.

Uma das
opções estudadas é fazer com que a prefeitura passe a adquirir a frota; as
empresas só executariam o serviço. Outra opção é o município passar a operar
quantidade e distribuição de linhas e horários, e as empresas continuariam a
cuidar só de mão de obra e manutenção.
A única
das 8 áreas da cidade que não deve entrar na nova licitação (pelo contrato ter
sido feito em 2007, valendo até 2017) é a 4 — justamente, segundo o próprio
secretário, a que “pior opera”, “com maior número de reclamações”. Uma das
empresas da 4, a Ambiental, é do Grupo Ruas, que possui outras, como a Campo
Belo, na 7, e a Cidade Dutra, na 6.
— São
CNPJs diferentes, mas de um mesmo grupo. Pode ser considerado concentração —
diz o secretário Tatto.
Segundo a
SPTrans, a margem de lucro dos operadores do sistema é de 6,78 % sobre a
arrecadação — o que equivale a cerca de R$ 400 milhões por ano.
No DF, só
em 2009 o Ministério Público determinou que os ônibus fossem licitados. Mais de
mil linhas estavam nas ruas.
— O setor
implantava as linhas que interessavam, autuações não tinham efeito, havia
conivência de agentes públicos e operadores — diz o secretário de Transportes,
José Walter Vazquez Filho. — Até dezembro, será 100% da frota contratada.
Mas a
licitação no DF fez com que o MP apurasse a vitória das viações Piracicabana e
Pioneira, da família Constatino.
— Serem
irmãos não caracteriza grupo econômico — diz o secretário.

Por
e-mail, Maurício Moreira, da Pioneira, diz que “as empresas não têm sócios em
comum e nem dirigentes comuns”. Representante da Comporte Participações, que
engloba a Piracicabana, diz que “os irmãos sócios da Piracicabana não são
sócios das irmãs sócias da Pioneira”. A Piracicabana nega ter sido beneficiada
por ter contratado o escritório Guilherme Gonçalves & Sacha Reck Advogados
Associados; Sacha é filho de Garrone Reck, diretor da empresa contratada pelo
DF para fazer o edital de licitação: “O edital é público”.
Entre as
capitais sem licitação, Salvador deve lançar um edital em setembro. Hoje, as
empresas operam por permissão precária. A última licitação do serviço lá foi há
40 anos — é de 1973. Em 2006, o MP passou a exigir nova licitação.
— Com
permissão, a empresa diz quantos passageiros transporta. Com licitação, a
prefeitura tem condições de auditar os ônibus e exigir o que contrato
estabelece — diz o presidente do TCM-RJ.
‘Regularidade
fiscal é indispensável’
Na lista
de devedores de R$ 2,8 bilhões levantada pelo GLOBO, e na qual incluem-se
dívidas previdenciárias e tributárias, estão empresas e empresários da cidade
do Rio e parte da Região Metropolitana; da cidade de São Paulo e do ABC — única
das 5 áreas da Região Metropolitana da capital não licitada, operando por
permissão —; de BH; e do DF. O total de R$ 2,8 bilhões corresponde a 32 vezes o
valor pago até agora ao programa “Mobilidade urbana e trânsito” do Ministério
das Cidades.
Pela lei
de licitações, as empresas precisam ter regularidade fiscal para participarem
do processo. Segundo Luiz Roberto Beggiora, procurador da Fazenda Nacional e
coordenador-geral da Dívida Ativa da União, a inscrição em dívida ativa leva,
75 dias depois que o débito é comunicado, à inscrição também no Cadastro
Informativo de Créditos Não Quitados do governo federal — o que acarreta “impossibilidade”
de participar de licitações, além de fazer com que o inscrito torne-se réu em
ação de execução fiscal.
— A
regularidade fiscal e trabalhista é indispensável para participação em
licitação. O que muitas empresas fazem é recorrer à Justiça e, como o resultado
da ação judicial ainda não saiu, ou se conseguem uma liminar, participam. Ou
então, o sócio de alguma empresa cria outra, com outro CNPJ, sem dívidas, e
então participa dessa forma — analisa Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-SP
e especialista em Direito Administrativo.
No Rio, a
Rio Ita, por exemplo, que opera em São Gonçalo, deve à União R$ 19,9 milhões.
Está entre as três empresas mais reclamadas este ano na ouvidoria do governo
estadual, junto com a Auto Ônibus Fagundes e a Viação União. As linhas do
Estado do Rio, incluindo a Região Metropolitana, têm permissão até 2015; uma
decisão da 5ª Vara de Fazenda Pública determinou que o Estado do Rio licite o
serviço.
— Não é
fácil fazer licitação que envolve milhares de linhas e muitas empresas. Mas não
é impossível — diz Julio Lopes, secretário de Transporte do Estado do Rio.

Desconheço que haja empresas em dívida ativa — diz Lélis Teixeira, do Rio
Ônibus. — Quando foi feita a licitação na cidade, todas foram obrigadas a
provar regularidade. O que pode haver são cancelamentos ou parcelamentos
deferidos.
Carlos
Roberto Osório, secretário municipal de Transportes do Rio, diz que a
prefeitura verificou a regularidade fiscal das empresas quando a licitação foi
realizada.
Segundo o
presidente da BHTrans, Ramon Victor Cesar, o endividamento das empresas “só é
problema se afetar a capacidade de operar o serviço”:
— O que
não é o nosso caso em BH.
O
Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH)
afirma que todas as empresas de BH estão em dia com a União, pois “a discussão
do débito na Justiça não aparece no sistema” da Fazenda.

Tatto, de
SP, diz que as empresas têm de apresentar as certidões exigidas:
— Dever
não é pecado no Brasil. Muitas empresas que constam como endividadas estão
renegociando a dívida.
O
secretário de SP diz, porém, que pode ser “temerário” o contrato com empresas
que estejam sendo executadas judicialmente.
O
Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São
Paulo (SPUrbanuss) afirma desconhecer que empresas estejam inscritas em dívida
ativa. Por e-mail, diz que “a discussão de eventuais débitos no âmbito do
Judiciário é direito garantido, e por si só, não significa irregularidade
fiscal, inclusive se considerada a hipótese de expedição de certidões positivas
com efeitos negativos”. Sobre a existência ou não de concentração, afirma que
“a participação de pessoa física ou jurídica nos contratos atende aos
parâmetros estabelecidos na legislação”.
Sobre a
dívida de empresas do ABC, o Sindicato das Empresas de Transportes de
Passageiros do Estado de São Paulo (Setpesp) diz que as empresas, pertencentes
ao grupo Baltazar José de Souza, estão em recuperação judicial desde 2012.